Customer Success na construção civil
O setor da construção civil talvez seja uma das áreas mais engessadas do mercado. Como há muitas regras e normas que regem as construções, a inovação acaba sendo lenta e limitada. O que sobra é buscar novas estratégias de atendimentos e em serviços para se destacar mais.
No entanto, a filosofia de Customer Success (Sucesso do Cliente) chega neste segmento lançando uma nova luz nos processos das construtoras, que pode otimizar as diferentes áreas da empresa e direcioná-las a quem realmente importa: o cliente.
Mas o que é Customer Success?
Sendo bem breve, a filosofia de sucesso do cliente nasceu nas empresas de SaaS (Software as a Service, ou aplicações como serviço), que são empresas cujo modelo de negócio dependem da recorrência (igual a Netflix) de receita.
Isso porque se o cliente não identifica que está tendo sucesso com o serviço contratado, ele migra para outro ou simplesmente cancela, fazendo a receita destas empresas caírem. Logo, quanto mais clientes reconhecendo sucesso no uso de um sistema ou plataforma, maior tende a ser o faturamento destas empresas.
Qual a importância de sucesso do cliente para quem vende imóveis?
Quando você pensa que imóveis são bem duráveis e de alto valor, fica fácil de entender que nem todos compradores trocarão de apartamento ou casa a cada um ou dois anos, como comumente as pessoas fazem com carros e celulares. Logo, a taxa de recomenda tende a ser bem baixa neste segmento.
Atrelado a isso, é sabido que “83% dos clientes satisfeitos estão dispostos a indicar e recomendar produtos e serviços para outras pessoas” (Wharol School Business) e que “um cliente indicado tem um custo de aquisição muito menor e tem maior potencial de retenção e fidelização. Na verdade, um cliente indicado por outro cliente, tem um ciclo de vida com sua empresa 16% maior”. Ou seja, para segmentos em que a recompra é mais difícil, prover sucesso para o cliente é ampliar o índice de indicações e reduzir os custos de atração e venda para novos clientes.
Mas tudo isso é a consequência. Importante mesmo é pensar que muitas famílias sequer terão oportunidade de comprar um segundo imóvel e, por isso, terem sucesso em sua primeira aquisição é fundamental para serem mais felizes na nova moradia.
E como aplicar isso em negócios não baseados na receita recorrente?
É simples: basta não focar nos fins, mas sim nos meios. Para garantir a receita recorrente, as empresas de SaaS passaram a trazer seus clientes para o centro. Sim, a filosofia de Customer Success, assim como a de Customer Experience, é customer centric — ou seja, não tem sentido se o o foco do negócio não estiver no cliente. E com o cliente no centro, tudo gira em torno dele nestas empresas: o desenvolvimento de novos produtos e inovações nos sistemas considera a opinião do cliente; as técnicas comerciais e a a precificação do produto, consideram o retorno do cliente; o suporte considera as necessidades do cliente; e assim por diante.
Trazendo essa lógica para modelos de negócios tradicionais, como a construção civil, aplicar a filosofia de Customer Success nestas empresas é tirar o foco do negócio (e apenas do lucro) e transferi-lo para o cliente. Pense na mudança dos primeiros carros da Ford, em que o cliente poderia comprar da cor que quisesse desde que fosse preto (Henry Ford), e os futuros carros da BMW, em que o proprietário poderá mudar a cor do carro sem ter que pintá-lo (veja vídeo abaixo).
A questão é que a filosofia de Sucesso do Cliente tem algumas premissas que podem ser intercambiadas e adaptadas por modelos de negócios não centrados na receita recorrente. Entre eles, cito:
Desenvolvimento de produtos com foco no cliente
Não raro vemos empresas cujos produtos e serviços nascem do feeling de seus fundadores e gestores ou do que já é praticado no mercado, na lógica de que se estão vendendo assim, não farei diferente. No entanto, esta é uma visão muito limitada e pouco oportunista.
Quando você traz o cliente para o centro da criação de novos produtos, seja por meio de pesquisas ou análises de usabilidade de um MVP (Mínimo Viável Produto), ou para cocriar (participando ativamente do processo), a empresa passa a ser mais assertiva.
Além disso, ela consegue vislumbrar e descobrir necessidades não exploradas pelo mercado que podem servir como um diferencial para ela. Isso é pensar no sucesso de quem consome os produtos e serviços.
Postura comercial inteligente
Um time comercial voltado para o sucesso de seus clientes não tem o volume de vendas como única métrica de sucesso. Isso porque as chamadas vendas ruins não são interessantes para nenhuma empresa que adota a filosofia de Customer Success. Afinal, se a empresa tenta vender algo além do que o cliente precisa, ela não está colocando ele no centro.
Da mesma forma, se ela faz promessas que não será capaz de cumprir, não estará considerando a decepção do cliente (sentimento que caracteriza a falta de sucesso). Logo, empresas centradas no sucesso do cliente fazem vendas saudáveis, em que o cliente adquire algo que realmente precisa e pelo qual pode pagar.
Relacionamento estratégico com os clientes
Dentro da filosofia de Customer Success, os times de atendimento ou suporte ao cliente não são reativos. Muito pelo contrário: estas equipes precisam ter uma postura proativa para prever dúvidas e necessidades do clientes, tendo a oportunidade de evitá-las.
Ou seja, não esperar que o consumidor tenha alguma dúvida ou problema e já atuar preditivamente, de forma que o cliente sequer sinta algum atrito. Isso pode ser feito analisando comportamentos da base e, principalmente, com comunicação, educando os consumidores.
Redução de cancelamentos
Quando você idealiza produtos/serviços pensando no cliente, tem uma atuação comercial focada em vendas saudáveis e se relaciona estrategicamente com seus clientes, muito provavelmente os casos de cancelamentos (ou churn, como é mais popularmente chamado na filosofia de Customer Success) caem. Afinal, menos pessoas ficarão insatisfeitas com as entregas da empresa, não se sentirão enganados pelo time Comercial e se sentirão acolhidos pelo atendimento personalizado e proativo.
Note que o cancelamento ou devolução não é um fim, mas uma consequência de uma atividade construída para servir ao cliente.
Foco em dados
Já é corriqueiro ouvir que “dados são o novo petróleo”, afinal, eles geram informação e quando bem contextualizados, nos permite ter insights e ser mais estratégicos.
Quando todo o relacionamento com o cliente gera dados que são constantemente analisados, a empresa pode entender diversos pontos relacionados a quem consome seus produtos/serviços: objeções de vendas; necessidades ainda não atendidas; engajamento com o produto ou marca; grau de lealdade e satisfação.
Enfim, analisar informações diversas do negócio e mercado permite uma atuação melhor da empresa centrada no cliente, observando alterações comportamentais e mudanças de preferência, por exemplo.
Ok! E como aplicar isso tudo na construção civil?
A seguir, estão relacionadas algumas estratégias que visam consolidar a centralidade no cliente e facilitar que ele obtenha sucesso com o empreendimento adquirido. O ideal é que todos sejam executadas em conjunto.
Conheça o mercado e seus clientes
No Marketing, existe uma coisa chamada personas, que é a representação fictícia dos melhores clientes de uma empresa. Conhecer quem é mais rentável para sua construtora, quais são os anseios e dores destas pessoas é fundamental para que você possa atuar melhor no mercado.
É através do conhecimento de seus clientes e das necessidades do mercado que as construtoras podem trazer o cliente para o centro desde antes do lançamentos dos empreendimentos imobiliários, já na fase de elaboração dos projetos, sejam eles residenciais ou não.
Portanto, faça pesquisas de mercado, analise tendências e, acima de tudo, converse com os clientes para entender os pontos de atenção das entregas passadas e as expectativas para as entregas futuras.
Faça vendas boas
Construtoras que fazem muita pressão sobre seus times de vendas geralmente sofrem com problemas no pós-venda, pois o Comercial prometeu coisas que não seriam entregues, vendeu uma unidade maior do que o cliente realmente precisava ou mesmo omitiu informações para não gerar objeções de venda.
Para fazer vendas boas, as construtoras precisam ter plena ciência de sua margem de lucro, de seus limites para negociações, das possibilidades financeiras de seus clientes e suas reais necessidades.
Além disso, manter uma comunicação transparente, sem omitir taxas como INCC ou juros obra, é fundamental para que a venda seja boa. Afinal, se o cliente não der conta de pagar o imóvel, ou ele irá distratar (gerar churn) ou será um morador infeliz com o tamanho do rombo em seu orçamento. E se ele se sentir enganado, certamente não irá indicar a empresa para terceiros.
Cumpra os prazos de entrega
Quando a empresa conhece seus clientes, é capaz entender mais facilmente o quanto um atraso na entrega do empreendimento pode impactar negativamente na vida destas pessoas.
Seja por ansiedade de ter seu próprio teto ou por necessidade de sair do aluguel, muitos consumidores tem toda sua gestão financeira e até saúde mental prejudicada quando uma construtora atrasa a entrega dos imóveis, ainda que essa empresa esteja completamente dentro da lei e usando a carência definida em contrato.
Até mesmo para os investidores imobiliários, atrasos de entrega são ruins, pois representam prejuízos financeiros, já que o retorno sobre o bem adquirido levará mais tempo para chegar ao bolso dele. Por isso as construtoras precisa organizar efetivamente suas obras e planejar corretamente para cumprir os cronogramas acordados com seus clientes.
No caso de imprevistos, opte por uma comunicação imediata e transparente para minimizar os efeitos negativos do atraso da obra.
Construa relacionamentos
A segunda atividade core de uma construtora deveria ser construir relacionamentos. Ao contrário de maior parte de outros segmentos de mercado, a construção civil pode demandar relacionamento de longo prazo. No entanto, a maior parte das construtoras que vendem imóveis na planta se esquecem de seus clientes depois de assinar o contrato de venda e voltam a se lembrar deles às vésperas da entrega de chaves — um erro fatal.
A ansiedade gerada no cliente durante o período construtivo é muito grande. Não à toa que muitas pessoas criam perfis nas redes sociais para acompanhar a evolução dos empreendimentos que compraram. Muitas destas pessoas vão quase que diariamente no canteiro de obra para ter contato com a materialização de um de seus sonhos (sua moradia própria).
Portanto, construtoras precisam investir pesado no relacionamento com seus clientes após a assinatura do contrato e antes da entrega de chaves. E devem fazer isso proativamente, não esperando que os clientes levantem a mão. Isso pode ser feito, por exemplo, com comunicações periódicas, por eventos de visita à obra ou formação de comunidade (entre os moradores).
Mapeie melhorias necessárias e desejadas
Infelizmente não são todos os consumidores que reclamam. De acordo com o pai do Marketing, Philip Kotler, “95% dos clientes muito insatisfeitos não reclamam, simplesmente mudam de fornecedor”. Claro que o distrato na construção civil tende a ser mais complexo devido aos financiamentos e amarrações contratuais, mas ainda acontecem. Mas a Infomoney mostrou dados recentes preocupantes: “os distratos responderam por 11,8% das vendas em 2019, 11,1% em 2020 e 11,6% em 2021”. Isso representa bilhões de reais em prejuízo.
Para evitar isso, é preciso constantemente mapear as melhorias necessárias e desejadas pelos clientes. Seja no processo construtivo ou nas operações de vendas e atendimentos pós-venda. Mas, como não são todos clientes que reclamam, é fundamental estimular eles por meio de pesquisas de satisfação (CSAT) e de lealdade (NPS).
Ao registrar todas as dores, mantendo um histórico e retroalimentar as áreas da construtora com estes indicadores, a empresa pode ter uma postura mais estratégica, direcionando esforços (e investimento) para o que mais gera impacto negativo no cliente.
Faça boas entregas e gere sentimentos positivos
Fazer o básico combinado é fundamental. Zela pela qualidade construtiva de seus empreendimentos é o mínimo esperado. A partir daí é possível incrementar a experiência do cliente deixando suas entregas ainda melhores, gerando sentimentos positivos em seus clientes.
Surpreender o cliente pode ser fácil, mas exige criatividade. Não precisa ser demasiado oneroso para a empresa, mas precisa ter sentido. Por exemplo, se durante a venda você identifica que o imóvel é o primeiro de determinado cliente, você pode facilmente surpreendê-lo com uma mensagem especial para quando ele entrar pela primeira vez na unidade finalizada. Ou ainda, a empresa pode demonstrar que realmente conhece seu cliente, chamando seus familiares e pets pelo nome (informação previamente colhida).
Por ser um momento especial para a maior parte dos clientes, é inteligente usar a oportunidade para gerar memórias afetivas que remetam à construtora, seja com um mimo, com um sorriso e um abraço de quem entrega as chaves ou com uma ação mais elaborada. O pecado é perder a oportunidade!
Como é possível ver, usar estratégias de sucesso do cliente na construção civil é extremamente possível. Pode não ser fácil por causa do perfil dos profissionais e gestores, mas não é impossível. Muitos treinamentos, bons exemplos e empatia pode amolecer qualquer coração de concreto para ajudar os clientes a obter (e reconhecer) o sucesso em ter adquirido um imóvel da construtora.
A construtora em que você trabalha aplica a filosofia de Customer Success na operação? Comente aqui a sua percepção e avalie abaixo este conteúdo!