Nem tudo é ‘mimimi’​ na employee experience

Principais pontos:

  • employee experience tem influência real na customer experience;
  • As empresas podem reduzir milhões com ações de employee experience;
  • Formas de aplicar employee experience nas empresas.

Há tempos vejo anúncios de empresas que buscam por profissionais dedicados, que gostam de colocar a mão na massa, sem “mimimi”. Pessoas que fazem!

Na visão de boa parte dos gestores que divulgam essas vagas, as reclamações (mimimis) tendem a ser frutos de uma forte atuação sindical no passado, que deixou os trabalhadores “mal-acostumados”.

Nunca fui sindicalista e muito menos escrevo para defendê-los. Mas, na edição da Você S/A de outubro de 2019, me deparei com a entrevista “Efeitos Colaterais“, da jornalista Bárbara Nor com o pesquisador Ph.D. da Universidade de Standford, Jeffrey Pfeffer, sobre seu livro “Morrendo por um Salário“, disponível na Amazon no link anterior.

A entrevista me trouxe informações impressionantes a respeito de uma situação sobre a qual eu já tinha senso crítico há anos. Mas, sem dados, sempre me deparava com contra-argumentos.

O estresse, a depressão e o absenteísmo

Na entrevista, foi exposto que, durante o estudo do tema “trabalho como fator de doença”, foi identificada a morte de, pelo menos, 120 mil pessoas por ano nos Estados Unidos em decorrência de problemas gerados pelo trabalho.

Além disso, que por si só já é algo que merece atenção, o pesquisador afirmou que as empresas perdem 300 bi de dólares por ano por causa de problemas de saúde de seus empregados.

Imagine qual será o tamanho deste rombo aqui no Brasil, em que diversas empresas custeiam — ainda que em modalidade de coparticipação — planos de saúde para seus funcionários!

Outra informação alarmante para mim, — pasmem! — foi a redução do tempo médio de vida da população dos Estados Unidos. Esse dado sempre apresentou crescimento desde 1968 (de 69,98 anos para 78,84 anos em 2014), começou a declinar em 2016, quando contraiu para 78,69 anos, segundo último dado disponibilizado pelo Banco Mundial.

E aí fica a reflexão: como um país com o 13º melhor IDH* (Índice de Desenvolvimento Humano) no mundo (0,924, em 2017 | Brasil tinha 0,759*) e grande desenvolvimento tecnológico, inclusive na Medicina, além de mais de 14.000€ de PIB per capita em 2019* (Brasil só tinha 1.989€*) consegue ter uma redução na expectativa de vida em um período sem grandes guerras mundiais?

Aqui entram dois fatores: a depressão — que afeta mais de 300 milhões de pessoas, segundo OMS, e que teve crescimento de 18% em uma década — e o estresse — que afeta 55% da população americana, segundo Relatório Global de Emoções 2019, e põe o país em 4ª lugar na classificação mundial.

Não vou nem citar o bournout — síndrome resultante de estresse crônico, necessariamente com origem no ambiente de trabalho, e que pode resultar em estado de depressão profunda — para não alegarem que estou surfando no tema da vez.

Óbvio que a depressão envolve diversos fatores físicos e psíquicos, como até mesmo o efeito do uso inadequado das mídias sociais, mas viver em um ambiente hostil gera altos índices de substâncias inflamatórias que afetam nossa saúde e a qualidade do sono, como afirma a psiquiatra Lívia Beraldo de Lima Basseres à Exame.

Tudo isso contribui para o aparecimento de diversas doenças, como infarto e Acidente Vascular Cerebral (AVC, ou o popular derrame), além de até levar o indivíduo a cometer o suicídio.

O absenteísmo acaba sendo inflado pelas licenças médicas por motivo de depressão e o próprio clima organizacional.

“Falta de confiança, ambiente hostil, conflitos pessoais não resolvidos, assédio moral, assédio sexual, líderes autocráticos, alta competitividade interna, falta de oportunidades de aprimoramento, violência psicológica (amedrontamento, ofensas e intimidações por superior ou colegas, intrigas, fofocas)” são causas comuns da falta de engajamento e de ausências no trabalho.

Para fechar esse tópico, os impactos financeiros apenas do absenteísmo nas empresas — incluindo as faltas por estresse profundo frequente (bournout) e depressão — podem ser gigantescos e alcançar a cifra de milhões de reais, apesar de ainda ser mal acompanhado pelos gestores brasileiros.

Por que employee experience, em inglês?

Nós, brasileiros, de modo geral, ainda sofremos muito com o complexo de vira-lata, em que tudo o que se faz lá fora, inclusive o que é malvisto aqui, é mais bem-visto do que o “made in Brazil“.

Enquanto greves na Europa são vistas como “manifestações por direitos”, aqui é balbúrdia e até restrição de direitos constitucionais, como o de ir e vir no caso de fechamento de vias e paralisações dos transportes públicos.

Até Paulo Freire, muito condecorado lá fora pelos méritos de seu método educacional, vem sofrendo ataques ideológicos aqui — ironicamente por uma suposta proposta ideológica do falecido educador.

Portanto, não adianta muito falar em “saúde do trabalhador”, em português, porque logo assimilam com os possíveis lados negativos do sindicalismo e da esquerda (afinal, o quê, hoje em dia, foge da dualização política neste país?).

O jeito é aproveitar a onda do customer centricity — aclamada revolução de 2010 — para colocar o empregado também no centro da discussão.

A definição — lá de fora — do que é employee experience

De fato, empresas não são parques de diversões a lá Disney World ou fadas madrinhas. No entanto, tal qual o customer centric não quer dizer que o cliente tenha sempre razão e que tudo que ele demanda deve ser atendido (afinal, empresas visam lucro!), o employee experience (EX) não é fazer tudo o que o empregado gostaria.

Mas é importante reforçar que focar na experiência do empregado também não é simplesmente colocar uma piscina de bolinhas, uma salinha de descompressão e liberar cervejas às sextas-feiras, modus operandi da maioria das startups.

Forbes, uma publicação pela qual venho cultivando um grande apreço tardio, define o que é experiência do empregado como “a combinação de três coisas distintas que existem em qualquer organização, independentemente do setor, tamanho e local“: culturaambiente tecnológico ambiente físico.

Para Jacob Morgan (colunista da Forbes, palestrante e autor dos livros “The Future of Work: Attract New Talent, Build Better Leaders, and Create a Competitive Organization”, “The Employee Experience Advantage: How to Win the War for Talent by Giving Employees the Workspaces they Want, the Tools they Need, and a Culture They Can Celebrate” e “The Collaborative Organization: A Strategic Guide to Solving Your Internal Business Challenges Using Emerging Social and Collaborative Tools”), esses três pilares fundamentam a experiência do empregado.

Se uma empresa quer que seu empregado tenha uma experiência positiva em sua atividade laboral, ela precisa oferecer ferramentas relevantes e modernas, além de “qualquer coisa que possa ser vista, ouvida, tocada e provada” que promova boas experiências no ambiente de trabalho, onde os profissionais costumam passar maior parte do seu dia.

Trazendo isso para a cultura do customer centricity, colocar o cliente no centro de toda a empresa é pensar em tudo que promova uma boa experiência para ele (principalmente a qualidade das entregas e dos contatos humanos), fazendo-o se fidelizar à marca e consumir ainda mais produtos ou serviços da empresa.

Agora, reflita: por melhor profissional que seja, um ser humano não é uma máquina que, ao bater o ponto, assume uma configuração X. Logo, se a experiência da pessoa no trabalho não for das melhores, é muito mais provável — e compreensível — que em algum ponto ela não entregará a melhor experiência ao cliente.

Obviamente isso fica mais fácil de entender na ponta, com os profissionais de atendimento e que têm contato humano com os clientes, seja um vendedor de roupas na boutique da esquina, um atendente de call center terceirizado ou um gestor de contas estratégicas de uma grande empresa B2B.

Formas de aplicar o employee experience

Este tema, “experiência do empregado”, foi muito abordado e defendido durante o último CX Summit 2019, promovido pela @Track.co.

Repito: o employee experience foi muito defendido por especialistas e pesquisadores da experiência do consumidor em um evento de customer experience. E aposto minhas fichas que não havia nenhum sindicalista no palco do evento!

Como bem pontuou Fabiana Dutra, especialista em gestão de RH e Design Organization e EX na Fiat, é preciso garantir o básico primeiro.

Aqui, faço a seguinte leitura: “se você não entrega o básico ao seu cliente interno (funcionários e colegas de trabalho), como entregará boas experiências ao seu cliente externo (consumidores, fornecedores e demais stakeholders)?

Acredito que EX é algo muito mais profundo do que a piscina de bolinhas e a cerveja às sextas, e que precisa ser amadurecido nas empresas, pois a experiência de um empregado também pode ser abalada quando um colega, do qual seu trabalho depende, o faz entregas inadequadas.

Ou seja, employee experience não é algo que é responsabilidade apenas da empresa, mas é ela quem deve implementar essa estratégia em sua cultura organizacional com foco no customer centricity, além de estimular sua vivência.

Afinal, boas experiências para o cliente são mais fáceis de entregar quando o próprio empregado tem experiências boas na organização, muitas das vezes se tornando defensores dela e não apenas “apertadores de parafusos”.

Outro especialista que bateu na mesma tecla foi Arnaldo Bertolaccini, diretor do iFood, com dados da PwC Future of Customer Experience Survey 2017/18:

Employee experience: Gráfico que mostra como o funcionário tem papel importante na experiência do cliente, variando de 7% (menor impacto) até 71% (impacto mais significante).

O gráfico é muito claro: mesmo quando pequeno, o impacto de um funcionário na experiência do cliente é considerável. Assim, o employee experience passa a ser um fator estratégico para as empresas, sendo responsabilidade dela proporcionar e facilitar boas experiências para seu time.

E, como bem lembrou Pfeffer na reportagem da Você S/A, “ao longo dos anos, as companhias foram se livrando do senso de responsabilidade” com a saúde dos seus trabalhadores “e, ao contrário do que se possa imaginar, fazer os profissionais se matarem para cumprir suas tarefas não traz vantagens para as companhias”.

Então:

  • busque o propósito da sua empresa;
  • defina os pilares da cultura organizacional alinhados ao propósito;
  • estabeleça os principais comportamentos que sustentam esses pilares;
  • engaje o público interno por meio destes comportamentos, principalmente através do exemplo;
  • questione os pressupostos culturais para desconstruir estereótipos e a forma clássica de gestão e de resposta à gestão;
  • redesenhe continuamente a sua organização (inclusive a hierarquia — se os tempos e as pessoas mudam, assim como o engajamento delas, por que as empresas não podem mudar?);
  • ouça a voz do funcionário (nem tudo é mimimi e algumas reclamações deles podem identificar pontos de atenção sobre a experiência do empregado para melhoria na experiência do cliente).

Por fim, lembro de uma palestra no evento “Clients For Life! Churn Zero!” em que a Nathalia Ramos, head de Atendimento e Operações da @Maxmilhas, apresentou como a empresa trabalha sua equipe para oferecer um atendimento de qualidade e encantar o cliente.

Segundo ela, o time participa ativamente dos novos processos de seleção de pessoas, são treinados de forma multidisciplinar para desenvolver visão sistêmica, além da empresa adotar metodologias de feedback frequente, reuniões one-a-one, parada técnica para treinamentos técnicos ou comportamentais e um plano de reversão em que os colaboradores com baixo desempenho entram em um processo de resgate do engajamento para evitar a demissão.

Trocando em miúdos, parece que a empresa foca no cliente interno (com ações de employee experience) para ter melhores resultados na experiência do cliente externo.

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