Educação: adestramento para civilidade

Acabo de ler um texto sobre uma possível influência do apresentador Danilo Gentili no caso de injúria racial contra a jornalista Maria Júlia Coutinho (Maju). Como ser pensante que tento ser, parei para analisar as informações e as cada vez mais constantes expressões de raiva e ódio na sociedade brasileira. Homofobia, xenofobia (lembram dos haitianos?), racismo e intolerância religiosa, entre diversos outros, permeiam nosso dia a dia e estão mais focados do que nunca. Sobre tais temas, podemos fazer diversas analogias e discussões filosóficas, mas quero me ater a uma: a educação.

O homem individualizado

O fato é que a educação (e me refiro a educação em um sentido amplo, tanto aquela de berço como a da escola) é o adestramento para a civilidade da humanidade. Sem educação, não aprendemos a respeitar a si mesmos e muito menos ao próximo. Desprovidos de educação, somos seres animalescos que buscam apenas a própria sobrevivência (e, talvez, a do seu próprio grupo). Infelizmente, é sabido que as classes mais pobres têm menos acesso a uma educação de qualidade, desde a sua base até aos mais altos patamares. Assim, não é espantoso pensar que quanto menos boa educação, menor civilidade o ser humano terá. Inversamente proporcional a isso está a agressividade.

Quando o ser humano não é educado para viver em comunhão com outros sujeitos, ele tende a ter capacidade cognitiva menos desenvolvida. Na análise de Ines Cozzo sobre o filme Nell¹, temos a descrição de um caso verídico do século 18. Destaco:

(…) diz respeito a Victor, um garoto que foi encontrado numa floresta próxima a Aveyron, na região central da França. Aparentava a idade de 12 anos, tinha baixo peso e baixa estatura, não falava, não respondia questões ou qualquer outro tipo de estímulo sonoro a ele dirigido. Sua aparência mental era a de um retardo. Itard, um médico da época interessado em saber se Victor poderia ser educado, se este aparente retardo seria constitucional ou por influência ambiental passou-lhe a dar lições em sua própria casa. Segundo seus relatos de mais de 5 anos de ensinamentos, embora Victor apresentasse grande incremento de sua comunicação gestual, foi incapaz de desenvolver linguagem. Não demonstrou amor ou algum vínculo afetivo mais importante por ninguém; tinha uma preferência pelo seu cuidador que foi entendida muito mais como interesse, necessidade do que como afeto, gratidão. Raramente brincava. Foi incapaz de assimilar o significado de alguns valores sociais básicos como a amizade ou mesmo demonstrar constrangimento diante de determinadas situações.

Como aponta a psicóloga, sem convívio substancial e educação adequada, o ser humano tende a estagnar-se em um patamar mais primitivo. Obviamente, o caso relatado acima trata-se de uma exclusão social extrema. Contudo, também fica racional imaginar que a diferença de Victor para a situação de uma parcela da humanidade é que atualmente, sem boa educação, as pessoas tendem a serem animais que sabem se comunicar e até se articular mentalmente sem moldar características primitivas, focando em si próprios e nos seus grupos. Casos de agressão ao outro por diferenças religiosas, sexuais ou por divergências ideológicas estão cada vez mais comuns em uma sociedade que boa parcela daqueles que não tinham acesso ao básico exigido para sobrevivência estão tendo espaço real e visível na sociedade. Os que antes eram ignorados e não tinham poder de fala, hoje estão nas redes sociais destilando críticas aos de hábitos diferentes dos seus.

Como educar?

Falta à educação básica pública, não matérias de ensino religioso ou educação sexual, mas, principalmente, consistência na formação sociológica e filosófica dos alunos – o ensino do respeito a si e ao próximo. Os jovens precisam ser seres pensantes e não reprodutores de discursos deturpados e personas “defeituosas”. Aqui, infelizmente, cabe lembrar que é muito comum uma laranja podre estragar todo o saco. Assim é com o discurso de ódio, que é tão mais facilmente disseminado que as boas ações. Em hipótese alguma deve-se pensar na segregação da sociedade, dividindo-a em quem tem boa educação e quem não tem – até porque o próprio mercado já faz isso. A solução, em minha humilde compreensão, é investir fortemente em educação, desde a base. É preciso ensinar direitos e forçar a compreensão dos deveres. Tal como com um cachorrinho, o ser humano precisa de boa educação como forma de adestramento para a civilidade.

Acho conveniente fechar com um trecho de Cozzo: “realmente estas são questões bastante complexas e delicadas, pois se baseiam substancialmente na observação humana; dependem, assim, de quem olha, o que e como olha e por quê ou para quê”.

Notas

¹- Filme que retrata a vida de Nell, uma mulher que vivia isolada da civilização e que teve contato apenas com sua irmã gêmea, quando criança, e com sua mãe. A mãe, que deduz-se ter sofrido uma série de derrames, tinha a fala comprometida e, por isso, Nell acaba por desenvolver uma comunicação afásica (incapaz de se expressar verbalmente de forma compreensível).

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